Antes de tecermos comentários sobre o presente tema, exporemos três situações, a título exemplificativo, que serão de grande valia para um cabal entendimento do assunto a ser abordado.
CASO 1:
Mário, rapaz dotado de aflorada sensibilidade físico-espiritual que em tese poderá levá-lo a tornar-se um bom instrumento (médium) de interação entre o plano astral e o terreno, é levado por parentes umbandistas a um Templo. Detectada sua capacidade mediúnica pela direção daquele espaço de caridade, é convidado a ingressar no corpo sacerdotal da casa pouco tempo depois. Aceita o convite. Em determinada sessão é apresentado aos partícipes como novo membro do terreiro, no nível de iniciante. Porém, é “jogado” dentro da corrente de trabalhos espirituais sem os conhecimentos elementares sobre as bases, características, diretrizes, atributos, história da religião etc.
Mario vê-se confuso diante de uma série de fatos para ele desconhecidos. Sem convicção religiosa e consciência daquilo que faz e acontece a sua volta, procura esclarecer-se com os integrantes da Instituição, sem, contudo encontrar respostas ou apoio. Desestimulado, solicita exclusão do grupo mediúnico meses depois.
CASO 2:
Tereza é umbandista há 20 anos. Labora mediunicamente com grande seriedade e satisfação. Orgulhosa, costuma dizer que se realiza com a religião que abraçou. Em determinado encontro social onde estavam presentes pessoas de outros segmentos religiosos, Tereza vê-se diante de inúmeras perguntas que lhe são dirigidas, umas por curiosidade, outras para tentar ridicularizar a Umbanda. Nada pode fazer. Apesar de tantos anos de religião falta-se a doutrina, o estudo, ferramentas poderosas para enfrentar situações como a que está passando. Sente-se desacreditada e desrespeitada em sua atividade religiosa. Como defender a religião se não tenho os instrumentos básicos para tal? – pensa ela. Observa então que tempo de labor mediúnico, a serenidade, a disciplina, e as práticas de terreiro não são suficientes naquele momento para deixar a imagem da Umbanda imaculada. A tristeza lhe invade a alma.
CASO 3:
Rogério, homem de meia-idade é médium ativo de um Templo Umbandista há 15 anos. Por meio de inspiração é informado por seu Guia Espiritual para preparar-se, pois era chegada a hora de se fundar um terreiro. Sem tempo a perder e com base apenas na prática que absorveu ao longo dos anos, edifica uma pequena casa e convida alguns companheiros da religião para a grande empreitada caritativa. O tempo passa e o número de médiuns chega a uma quantidade considerável. Ao lado de seus antigos companheiros co-fundadores, Rogério observa agora médiuns novos, de diferentes idades e nível intelecto-cultural elevado. Desejosos em conhecer os aspectos doutrinários e litúrgicos pertinentes a Umbanda, solicitam explicações. Em situação constrangedora, o dirigente não sabe o que dizer. Falta-se o estudo, faltam-se conceitos, falta-se à base. Pouco a pouco alguns médiuns se afastam da casa, alguns em silêncio, outros comentando que não poderiam continuar a fazer parte de uma instituição religiosa de Umbanda onde o diretor material de culto, principal referencial de segurança e esclarecimentos, não sabe elucidar o que acontece dentro do próprio terreiro.
Os casos acima narrados, além de outros, força-nos de maneira inequívoca a apontarmos uma triste realidade dentro do Movimento Umbandista. A deficiência doutrinária de expressiva parte dos médiuns que compõem as diversas correntes templárias. E esta precariedade (ou ausência) de conhecimentos relativos à nossa religião está diretamente ligada à falta de núcleos de estudos dentro dos terrenos de Umbanda.
Não fazemos estas afirmações com intuito de ferirmos suscetibilidades ou condenarmos por omissão fulano ou beltrano. Deixemos que a própria consciência daqueles que podiam ou podem mudar tal estado de coisas seja seu julgador.
Preocupa-nos tão somente os efeitos que tal omissão tem ocasionado na formação doutrinária dos médiuns umbandistas e dos reflexos advindos frente às atividades mediúnico-espirituais. Porque quanto mais bem preparado for o médium em quesitos tais como moral, caráter, doutrina etc. mais se constituirá em eficiente instrumento para o trabalho do mundo espiritual. Ao contrário daqueles que se eximem de suas responsabilidades, transferindo os encargos que lhes são próprios para a Espiritualidade, somos de opinião que o melhor caminho a seguir é assumirmos os nossos deveres e externarmos nosso amor e fidelidade à Umbanda, estruturando e fomentando o estudo, o debate construtivo, a formulação de teses, seminários, e ações similares dentro dos templos de nossa religião.
Não é demais lembrarmos que materialmente falando o grande corpo religioso nominado Umbanda é a resultante da atividade de micro células denominadas médiuns, que em conjunto formam as macro células, vale dizer, os Templos. Desta forma, quanto mais bem preparados forem os médiuns de uma Casa Umbandista, mais esta Instituição terá respeitabilidade e credibilidade em nossa sociedade.
E se mais e mais Templos Umbandistas alcançarem tais qualificativos, mais a Umbanda se conceituará em religião séria que é. Neste sentido, é crucial que alguns dirigentes deixem em plano secundário ou eliminem de suas vidas a vaidade destrutiva, o receio por novos projetos, e, sobretudo, joguem fora a idéia de que por serem presidentes ou diretores de culto, ou ainda terem 40, 50, ou 60 anos de Umbanda, detêm todos os conhecimentos litúrgicos, doutrinários e magísticos, não necessitando o auxilio de terceiros, ou de estudos para atividades religiosas práticas.
Os que assim pensam estão caminhando na direção contrária do progresso, do aperfeiçoamento, da evolução. Invariavelmente a cada sessão ou gira, a cada estudo, a cada permuta de idéias, a cada formulação de teorias, a cada observação, aprendemos um pouco mais.
Uns se tornam mais esclarecidos que outros, mas ninguém é detentor de todas as informações. A implantação de Escolas Doutrinárias, de Iniciação, são instrumentos de grande valor para a capacitação instrucional daqueles que desejam atuar como médiuns umbandistas.
Além disto, são nestes núcleos de formação doutrinária que se poderá avaliar o interesse, a intenção, o caráter, a moral, e a seriedade do candidato ao corpo mediúnico. E é aí também que o aluno começará seu processo de consciência religiosa em relação à Umbanda, fazendo cair por terra eventuais conceitos errôneos atribuídos à religião; terá as informações básicas a respeito do funcionamento da Instituição, sua ritualística, sua liturgia etc. que o proporcionará entrar no espaço de caridade de forma tranqüila e segura, ciente de seu procedimento e do que acontece em seu redor.
Por conta da maioria dos terreiros ainda não terem estruturado tais escolas, o que se observa é a facilidade com que muitos candidatos ao sacerdócio umbandista se integram a corrente mediúnica de uma Casa.
Não há um substancial cuidado em se avaliar se a pessoa é realmente médium ou se está passando apenas por problemas obsessivos; se é uma pessoa com bons propósitos ou se está a procura de diversão, aconchegos e conchavos; se quer ser um digno intermediário entre o mundo espiritual e o físico ou apenas deseja espaço para servir de passarela para sua vaidade e o seu egocentrismo. E dizemos mais. O estudo não deve se restringir somente aos iniciantes na religião. Deve alcançar também aqueles indivíduos já integrados ao colegiado mediúnico, não importando seu tempo de casa.
Reciclagem e aprendizado periódicos serão sempre de grande relevância para o aperfeiçoamento dos médiuns de uma coletividade umbandista.
Esperamos com estas abordagens que os responsáveis pela direção material dos terreiros e demais médiuns que compõem a classe sacerdotal da Umbanda se sensibilizem e sejam impelidos por suas consciências a implantarem ou solicitarem a implantação de Escolas Doutrinárias dentro dos espaços religiosos umbandistas.
Diga SIM ao estudo! Salve a Umbanda!
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